segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Menino de rua

Naquele bairro de lata
um menino matava a fome
à sucata.

sorvia a vida de um trago só
tinha sonhos
queria ser cantor, ator, pintor.

fazia disparates
asneiras, talvez
menino de lata, pobre criatura
cuspia o sonho
naquela maldita barraca.

bradava aos céus
a injustiça da vida
desejos os tinha mas não lamentava
a vida que levava
na barraca a lenha
de madeira tamanha
alegria de vencer
e de querer viver.

Maresia

Bate leve na areia fina
deixa rastos de raios de sol
por entre meus dedos em círculo.

O mar bafeja a rocha
e larga lágrimas de sal
nas gaivotas em alvoroço.

A minha voz ensurdece-me
numa sonoridade matinal
uma oceania grita
páginas escritas
em cores de fantasia.

À beira-mar sentada
imana a liberdade do pintarroxo
a brisa toca-me ao de leve
e a sereia vem ao meu encontro.

Respirar

Respiro
o ar sôfrego da terra
que me suga as entranhas da vida
sucumbo à coragem dos pirilampos
a sinfonia de beethoven
num dia claro ao entardecer.
Rodeio-me de jardins silvestres
de brancas casas floridas
transparentes cascatas
na mais justa calçada firme.
As pedras nuas e cruas
o mito arrastam
a voragem do ser que sou
na energia da vida
da qual me alimento
todos os meus mais ínfimos dias.

Bordado



canto
à insónia do nosso querer
brindo
à ilha da nossa existência
bordo
a teia vigorante do bater das ondas
reconheço
o eco do espaço infinito
resisto
ao tempo gasto em saudade
sonho
uma maré de palavras
recomeço
no novo palco um gesto
danço
ao luar entoadas ao vento
profetizo
um ramalhete de rosas
aqui
onde tudo começa.

Audácia

Audácia

Buscas
o canto audaz da terra
cânticos mudos no fim do mundo
trazes a força do bem-querer
vencida por sons de paz
numa girândola doce
tornas os dias claros
com o brilho agridoce do vento
numa rede circular
navegas nos pensamentos ocultos
de palavras contidas em semi-círculos
de sons musicais gemendo nas teclas
fragilizadas por acordes
no silêncio mordaz dos lírios campestres.

Procura

Procura

algo persegue a noite vazia
uns passos tímidos ecoam na minha cabeça
uma interrogação inútil me atormenta.
na penumbra espreito a rua
procuro em vão uma vida
uma resposta aos dias de silêncio
a impenetrável voz paira na noite
num som plausível dá sentido imortal
aos fios de luz durmo sem medo
procuro uma vida cheia de imaginação!

Quimeras

Quimeras

A terra tremeu nos teus olhos
um vulcão surgiu no teu olhar
o basalto derreteu as tuas lágrimas salgadas
gastas em lava liquefeita
petrificada na pedra e no ser.
O brio hilariante  da ilha
que te viu nascer sussurra baixinho
numa orquestra sem voz
e o fado emerge do teu corpo.
O espaço verde e inebriante
amaina a força da lama
arrastando emoção e coragem
e na tua boca flutuam palavras asfaltadas
numa alegoria
que só eu entendo.

Amanhecer

Amanhecer

Num apagar vespertino
o véu branco acetinado
de mansinho inusitado
cobre a ondulação da terra.
O cair da noite
calma e acalma
o vazio gelado
tão arrepiante
levando consigo o raio de sol fugidio
e a esperança feita gente 
de um amanhecer diferente.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

cegueira


Cegueira

O âmbar das flores inusitadas
deixam um rasto empobrecido
nos olhos dos cegos
que à margem da lei
descarregam o vibrato da voz
na ténue linha do desfiladeiro
envenenando o raiar do dia.
Os pássaros fugidios
acostam ao entardecer
no calor da lareira acesa
cujos passos revertem
a favor da lua.
Pé ante pé o grito acorda a noite
e a raíz desprende-se na alvorada
da palavra campestre
na claridade verde
das rosas do quintal
cujas pétalas nas páginas em branco
iluminam as luzes da madrugada.