terça-feira, 2 de julho de 2019

Imaterial de mim


Quero abraçar toda a riqueza do mundo

mas não quero ouro nem prata
o dinheiro não vale
quando a tecnologia pula e avança.
Vozes fugidias misturadas com o tilintar do cobre

faz o charuto o seu príncipe
inconcebível ao comum dos mortais
ser rico na vida
é a agonia do pobre indulgente
que desafia a serpente no deserto.
Perder o que não foi ganho
pelo mendigo
é subir a escalada de nada
calcorrear os passos da astuta avestruz.
Na mina, o sol não espreita
a luz do dia, apenas sente o medo
de encontrar nas entranhas da terra
a bola de cristal
na crisálida em metamorfose.
Sem tirar nem por
as pérolas no vazio do ar bafiento
minam a rica hipocrisia
engalanada no bico da cotovia.

Errar

O erro faz parte da flor que brota
da semente inventada de amor
na proximidade do feito
a planta vive dentro da rocha
enquanto a dor desabrocha perto do peito
na noite agarrada à raíz do desfiladeiro
sobre as rodas do voo inóspito
é rede fugaz da alma
com sede da saudade
átmo que se sustenta
porque a meta se suspensa na leveza
do suor da calçada.
No vácuo do universo de luz
as madrepérolas pairam no asteróide intruso
os brilhos intensos permanecem imóveis
na quietude amarga do silêncio
a força induz a alma branca
no lençol encardido de lágrimas
risos malévolos encarnam o ser imaterial
o diabo fica à solta
e morde o isco.

Horizonte



O mar bate na tua vidraça
e do avesso pressentes o navegar da canoa
no rio Tejo
A nado buscas o cais
onde o aporte é inavegável.
Embarcas no destino
e levas no pensamento
a outra margem da praça
sem pauta, sem vírgulas
é lá que queres estar.
Quando o cerco se instala
o infinito de ti abarca as ondas
e as vogais se encaixam alinhadas
nos antigos astros pendurados nos mastros
numa monotonia indelével.
Tu és a gramática dos dias incertos
música no pensamento real
com o passar do tempo quieto
aperfeiçoas a técnica no campo de jogos
cujas lâminas de barbear
rapam o rosto cosmopolita num local mágico e irreverente.
A parte de ti é um todo do universo
não tenhas medo e enfrenta-o
está em mim, a tua aventura
além de nós
além do fim.

Pele

Sem entender nada
faço figas ao esquecimento
quando me lembro das linhas poligonais
num cerco quadrado, amorfo
cujo corpo redobrado, envelhecido
dá azo à imaginação fértil da forma triangular.
Os números são quimeras cruzadas
na sólida argamassa
uma casa de cometas
deslavada pelos corredores estreitos
de ruelas e fontes fronteiriças
resenha histórica de mastros
sem ocupação oficial.
A pele arrepia a marcha
o poema escrito à mão encarece
e as balas que atravessam o peito
amortecem a dor na matéria da estrada.
O gemido acutilante vem de fora 
o amor está dentro
a prosa no texto emerge e explode
no mergulho do mar o poema inventa
o toque da alvorada sorrateira
baloiça no avião a jato
o bater do pé enérgico soa
com o rufar dos tambores
a tribo traz à mente o esforço do guerreiro.

Fragmentos

A temperatura aquece o corpo
num gesto amplo e frio
a onda de calor esbate
e a fruta sumarenta
circula nas artérias das principais cidades
a leveza fina da alma eleva o desejo
de murmurar em suspiro a obra poética
 à frente do casario
que se estende até ao mar.
A neblina avança por ruelas tranquilas
iluminadas por lampiões
sujos e gastos
ocultando o fracasso dos passos
encestados nas redes dos pescadores
para desespero dos barcos.
Com a fúria do vento
o timbre fechado na voz
o moinho em remoinho
quebrado em desalinho
no mais profundo abandono
mói o sentimento quente
no parapeito da janela
meio dia, metade da vida
na alegoria da caverna
investida, sem mós.

Girândola

Navego nas águas turbulentas
grito ao despudor dos dias triviais
não conheço a amargura dos ais
na cabeça do passado
decifro as contas no horizonte
na esperança de encontrar o mundo
com dois olhos incrustados de safiras
no alto mar.
A música em remoinho
na girândola rodopia
transformando os segredos
em arcos penetrantes
na escalada agitada
do maremoto em calcário
sucumbido na pedra acinzentada
pelo bosque fino de arrozais.
A cartada final
espicaça o epicentro lunar
enquanto a rotatividade corrupta
nega ao entardecer a mão
de uma jovem criança
amarrada à proa da canoa
para proteger a terra
dos templários medievais.