quarta-feira, 18 de setembro de 2019

No campo à beira-mar


no campo à beira-mar
um hotel à deriva
rasga as pedras da lua
num louco frenesim.
o arrepio salgado
salpica nas ténues veias
 personagens indistintas
no cérebro aquecido
pela voz insistente da vida insolente
que bate nos grãos de areia
em silêncio mordaz.
a leveza dos dias
apressa-se sem querer saber do feltro rasante
do verde que afaga e geme
o frio de inverno no cais da eternidade.
a composição indelével dos gestos
perfuram a consistência da vida
na atracão misteriosa de gotículas
Ácidas penetrantes no solo húmido
em competições angulares.

A mestria inocente de roupa lavada
Refresca o torpor do perfume
Enquanto o som distante
Transfere para a subtileza do violino
Os acordes finais do canto
Prestando contas ao universo esguio
Por detrás da cortina esquálida e fina.

Desejos

Se os caminhos deste mundo me levassem para os céus
libertava meus olhos cegos pois sou estagiária feliz.
Como a semente sorri para o universo eu cresço numa escolha acertada
esta pobre alma assanhada anseia natureza pura.
Sou múltiplo dos frutos silvestres a viver coisas divisíveis
porque o sonho comanda a vida num dominó imperfeito.
Não sei se gosto de amoras roxas
nos passos que dou na calçada os meus músculos frágeis
prendem-me o esqueleto por inteiro me dou.
Sou um passado inquieto um presente sumarento
num futuro incerto de água
na corrente do rio salgado me vou. 

domingo, 15 de setembro de 2019

Néctar

Sou parte do império
caído das nuvens
néctar das flores
adocicadas pelo vento tatuado no meu ventre
escondo a terra em pó no ADN do robusto seio
a envelhecer na varanda dos teus olhos negros.
As pedras das trincheiras já beijam o azul das conchas
ao roçar o sono na lava

e a ilha desnudada emerge do sono profundo
o metal milenar das antigas civilizações.
À socapa do sol nascente, meus dias de glória
desenham o futuro da crosta terrestre
a órbita grávida no oceano ensonado.

viagem

Toco na cidade com a ponta dos dedos
avisto a Torre de Florins encharcada de memórias 
e segmentos graníticos de Pisa
nos seis andares sonolentos
a espuma gigantesca de turistas ávidos.
Sem chuva, sem nevoeiro desnudo meus pés
enquanto a viagem no interior de mim mesma
sabe para onde deve divagar
como quem anda em sonhos.
O poeta despe no silêncio os cristais de vidro
de um hotel italiano cujas montras em beleza
enaltecem os vestidos venezianos e mascarilhas fingidas
do Pinóquio.
Nas avenidas expostas, os transuentes
saboreiam ao som da valsa, o apetite voraz das suculentas pizzas.
Estátuas famosas erguem-se dentro do Colosso
amuralhado de históricas pedras de marfim
e sonhos de madrepérolas.
Romeu suspira por Julieta
cujo amor encerra segredos nos cadeados forjados de corações palpitantes.


sábado, 14 de setembro de 2019

Células

As palavras cénicas fazem mutações celulares
no coração distraído
a química arreigada na parábola
desfaz o verbo na frase enrolada
de vozes em silêncio
na carne do Homem
sons fluidos de fonética articulada
fazem eco
num ouvido acordado
A matriz sonora enfatiza o mistério da voz
onde as palavras ficam por dizer
num livro sem préstimo
 zero absoluto de páginas em branco
onde tudo acontece e nada se lhe diz.
A celulose dos vocábulos no léxico comum
pressionam os ensinamentos e as parábolas
num cruzamento de ideias com muitos graus celcius.

Palanquim

A luz dos teus olhos
gelam o sangue de um sem abrigo
a bravura do teu rosto apocalítico
encerra a brancura da alma gémea
o amanhã fica longe
quando o presente mora ao lado da lei
os fortes, na pele sentem o medo 
da névoa clara na fibra sintética do vidro
a bala disparada fere e não mata
porque o pecado em pólvora pede a confissão.

Falta pouco

Falta pouco
para ter direito à voz da alma
que pena no escuro aquando do sibilar das folhas
sob o candeeiro de rua
em silêncio observa suas gentes apressadas.
No conforto dos dias
a gestão do tempo é involuntário
na linha da frente, as dunas sob a planície
fazem reentrâncias seguras
no porto de abrigo ao pôr do sol.
Tombo-me perante as asas da gaivota em Alvalade
corro ao teu encontro a favor do vento
nós duas somos o mel na poncha
no doce cálice de sacrifício e estudo.
O leme e a proa do barco
no azul das cândidas águas que a ilha oferece
navega teu nome em avenida faustosa
agarro o lápis para escrever teu rosto
amanhã na parede do cais.

Páginas em branco

As páginas brancas do livro
ilustram o futuro incerto
de um caminho que se faz caminhando.
O som acutilante
do virar de página
permite envolver-me no sonho
de prosas e enredos pelo oceano acima.
Na maresia, o afluente desagua no meu ventre
de ramos frondosos em linhas demarcadas 
pela saudade ausente de sabor livresco
banhada pela fantasia personificada
onde me elevo em seio nu.

Fragmentos

A montanha abafa o sufoco
do eco paralisante
tamanha pequenez da alma
solta de matéria imaterial.
Ruelas encosta abaixo de jacarandás
povoam a planície vestida
de árvores rentes ao chão.
Sem querer o bálsamo
alegre da flor
no cume da escadaria
baloiça em mim fragmentos dispersos.
As encostas entreabertas de pedra vulcânica
fazem-me cócegas no trampolim
e o vulcão emerge
ecoando na calçada meus passos vagarosos
à beira-mar.
Abraço as redes e em aventura
sacudo a tempestade para trás da lua.

Invenção

A invenção invertida de nós
levada no tempo pelo vento
desfolha a minha existência em ti
porque os versos que escolho
entram pelos olhos do universo
num insaciável despertar
de corpos na praia
imagens de sal
na pele queimada de sol
cujas ondas sonoras de madrugadas frias
rasgam ténues túneis
musculados de pedra basáltica
em abastados sonetos.

Não te quero perto

Não te quero perto
quando o barco soprar longe
e as armas sem guerra
soarem a futilidades de homens inúteis.

Não te quero perto
quando pressentir um dia longo
de conchas acesas
arrefecendo as claras manhãs.

Não te quero perto
quando o fruto adocicado da colmeia
tempera o poema em néctar
do infértil inseto.

Não te quero perto
o ser e o parecer
são miragens ocultas
da raíz segura ao ventre
da terra semi-nua.

Não te quero perto
quando as curvas onduladas
pelo azul marinho do teu ser
pacificarem o querer num arco horizontal.

Novo amanhecer

a desordem do meu sangue 
na aventura de te querer perto
inventa o que sou
para sermos nós em partilha.
o interior inquieto 
onde vagueiam meus 
olhos poéticos
em pensamentos oblíquos
quere-te por perto
e segue-te em linha reta.